domingo, 8 de outubro de 2017

Reforma Trabalhista: Desafios





Subdesenvolvimento não se improvisa; é obra de séculos.
(Nelson Rodrigues)




A discussão sobre a proteção dos trabalhadores no Brasil iniciou-se por volta de 1988, logo após o fim da escravidão. Nas quatro décadas seguintes foram criadas algumas normas que tratavam de atividades bastante específicas, como a que regulamentava o trabalho infantil e a sindicalização dos trabalhadores, por exemplo. Não havia, entretanto, qualquer tipo de legislação que tratasse especificamente dos direitos do trabalhador e, também, não havia qualquer meio formal que pudesse ser utilizado tanto por empregados quanto por empregadores para a solução de conflitos.

Essa situação começa a mudar com a chegada – por meio de um golpe de estado - de Getúlio Vargas ao poder, em 1930. Durante os primeiros anos da ditadura Varguista são criados, dentre outros, o Ministério do Trabalho (1930), a Justiça do Trabalho (1934*) e (sob a inspiração de renomados juristas brasileiros de então; de Convenções Internacionais do Trabalho e da Carta Del Lavoro do governo fascista Italiano) a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)**. 

É necessário, pois, que avaliemos o contexto em que o documento foi criado: O Brasil do começo do século passado, predominantemente agrário, via surgir suas primeiras fábricas nas áreas urbanas. Algumas movimentações de trabalhadores, inspiradas por idéias anarquistas, eram percebidas aqui e acolá. O governo, por sua vez, iniciava um flerte com uma de nossas maiores desgraças: o nacional-desenvolvimentismo[1]. Assim, leitor, a criação de toda essa rede de “proteção” ao trabalhador brasileiro caiu como uma luva para as intenções dos plutocratas do período: com somente uma tacada foram esvaziadas as células de insatisfação que surgiam timidamente entre os operários e o poder sobre o trabalhador ficou concentrado nas ações dos sindicatos (controlados pelo governo)*** e nas das instituições (para-)estatais. Os “direitos” e benefícios garantidos pela nova legislação, inéditos até então, fizeram com que a população, concentrada majoritariamente nos meios rurais, se dispersasse para as grandes cidades em busca de empregos e garantias. 

(Protecionismo econômico, mão-de-obra com pouca especialização, falta de infraestrutura, regulações governamentais, burocracia Kafkiana, justiça do trabalho militante e ativista e sindicatos poderosos e controlados por políticos: estava criada a receita para o sucesso brasileiro!)

Por muito tempo a indústria Brasileira não se preocupou com produtividade: nosso mercado era fechado para empresas estrangeiras, as políticas econômicas aplicadas no período eram proibitivas para quem se arriscava a investir no país, o dinheiro jorrava via subsídios e créditos concedidos por bancos de desenvolvimento e governos. Com as medidas de liberalização da economia brasileira, promovidas a partir do início dos anos 1990 (e com o advento da Globalização), as indústrias brasileiras foram forçadas a competir com produtos fabricados no exterior (geralmente em países com menos regulações trabalhistas, mais tecnologia e políticas fiscais mais amigáveis) e as diferenças de preço e qualidade entre o que era produzido aqui e lá fora começaram a ficar evidentes. 

É neste cenário que começa a “chiadeira” dos empresários brasileiros: os poderes garantidos aos sindicatos, as amarras causadas pelo excesso de regulações e a justiça do trabalho, vista como militante e paternalista, são os principais alvos. Encontram-se, aqui e acolá, pesquisas como a da Consultoria internacional The Conference Board[1], que sinalizam que o trabalhador brasileiro possui algo como 25% da produtividade de um similar norte-americano; ou textos como o já célebre hoax[2] do “pesquisador” José Pastore, professor da FEA-USP, que aponta o Brasil como recordista de ações trabalhistas em todo o mundo.

 Ainda que não existam estudos conclusivos – e confiáveis - a respeito, questões como a baixa produtividade do trabalhador brasileiro, dificuldades com legislação e número alto de demandas judiciais são atestadas por empresas multinacionais que atuam no país. Algumas dessas empresas declaram ter mais ações trabalhistas na justiça brasileira que em todos os outros países somados em que mantém algum tipo de operação. 

A reforma (ou a criação de uma nova legislação trabalhista) torna-se, assim, para a nossa elite empresarial, a panaceia que vai tornar o Brasil mais competitivo e fazer o país avançar.
Eis que, em 2017, o novo governo resolve tocar uma reforma que, ao final, mostra-se nem tão draconiana quanto sonhavam os nossos empresários e nem representa a volta aos tempos da escravidão, como berravam certos setores - a saber: a intelligentsia, parte da academia, políticos de esquerda e sindicalistas. 

O texto aprovado, provavelmente, terá um razoável impacto na produtividade e competitividade do setor industrial nacional, mas pode ter algum efeito na criação de novas vagas de emprego- há no texto, principalmente no que concerne ao setor de serviços – o que mais gera empregos atualmente -, uma série de “facilidades” que não estavam previstas anteriormente. Podemos citar, por exemplo, os casos dos trabalhos intermitentes (por período), parciais e o home office, que não estavam contemplados e que geravam alguma insegurança jurídica para o empregador.  

Mudanças nas formas de negociação e representatividade, que visam claramente enfraquecer o papel dos sindicatos, podem tornar a relação entre empregador e funcionários mais desigual, o que, em tese, dificultaria a vida do trabalhador, que perderia parte do poder de negociação. Por outro lado, argumentam os empresários, os sindicatos muitas vezes tentam forçar acordos baseados em agendas político-ideológicas que, muitas vezes, vão de encontro com os desejos dos próprios funcionários representados.

Percebe-se claramente, também, um desejo do legislador de diminuir o papel de protagonismo da justiça do trabalho nas relações trabalhistas. Novas regras de rescisão de contrato e novas garantias foram criadas para proteger o empregador. A partir de agora, por exemplo, o trabalhador será obrigado a assinar, na companhia de um membro do sindicato da categoria, anualmente, um termo declarando que a empresa está cumprindo todas as obrigações trabalhistas. 

A justiça do trabalho, aliás, possui papel de destaque tanto nas queixas dos empregadores quanto nas discussões sobre a eficácia do impacto das mudanças na legislação trabalhista. Há muito ouvem-se reclamações sobre o paternalismo dos juízes do trabalho, que, muitas vezes, decidem casos baseados mais nas próprias opiniões e ideologias do que na legislação trabalhista existente. Reclama-se muito também do ativismo judicial das instâncias superiores, que vez ou outra usurpam o papel do legislativo e decidem, por conta própria, inventar regras não previstas pelo legislador original. (Um exemplo clássico desse “ativismo” é a súmula 331, do TST, que normatiza a terceirização desde 2011 – entendimento que foi modificado e normatizado pelo legislador somente após a nova reforma trabalhista.) 

O atual presidente do TST, Ives Gandra Martins Filho, declarou recentemente que os “excessos protecionistas” da justiça do trabalho e o “ativismo” da justiça brasileira criam um ambiente de insegurança jurídica, que, segundo ele, afastam investimentos e afetam a geração de novos empregos, tornando assim, a Reforma Trabalhista imprescindível para aparar as arestas da legislação e conter o ímpeto ativista de seus pares. Em resposta, um grupo considerável de ministros do TST publicou um manifesto criticando as reformas dizendo entre outras coisas que “(...)O Direito do Trabalho no Brasil guarda inseparável vinculação aos direitos fundamentais, sendo um forte instrumento de inclusão social e dignidade da pessoa humana, por atuar na valorização do trabalho (...)”. 

Recentemente, o jornal VALOR revelou que há um grupo de juízes do trabalho se articulando para desrespeitar a nova lei. Este grupo, com a liderança da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), julga serem inconstitucionais várias das alterações aprovadas na reforma.

Mudadas as leis, calados os sindicatos, pacificados os donos de dinheiro, fica a questão: quem irá conter uma justiça que pensa ter entre suas atribuições principais a “promoção da justiça social”?


Gabriel G. F. Coelho

*A constituição de 1934 determinava a criação da Justiça do trabalho – o que aconteceria oficialmente somente em 1941.
**(Há quem discuta se é realmente possível consolidar algo que sequer existia previamente.  Pouparemos o leitor desses pormenores. No Brasil, como sabemos, tudo é possível. O leitor também será poupado de saber que o Congresso havia sido dissolvido e que a CLT foi imposta sem qualquer tipo de discussão ou legitimação dos representantes populares.)
***O termo “peleguismo”- palavra que faz referência ao nome de um líder sindical da época – foi criado e é geralmente utilizado para se referir ao controle dos sindicatos de então pelo governo.
****(O leitor será poupado de algumas dessas pesquisas que, muito embora tenham sido citadas por presidentes da República, ministros de estado e pela intelligentsia do país, apresentam métodos científicos questionáveis e/ou cuja integridade dos dados apresentados já tenha sido questionada de alguma forma na imprensa ou em publicações científicas.)

[1]http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas2/artigos/EleVoltou/PoliticaDesenvolvimento (Acesso: 11:00AM dia 25/09/2017)
[2] https://www.conference-board.org/retrievefile.cfm?filename=The-Conference-Board-2015-Productivity-Brief.pdf&type=subsite (Acesso: às 11:00AM do dia 25/09/2017)
[3] https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2017/06/27/brasil-e-campeao-de-acoes-trabalhistas-no-mundo-dados-sao-inconclusivos.htm (Acesso: às 11:00AM do dia 25/09/2017)

Referências

https://g1.globo.com/economia/noticia/reforma-trabalhista-e-aprovada-no-senado-confira-o-que-muda-na-lei.ghtml (Acesso :20:00PM do dia 08/10/2017)
https://exame.abril.com.br/carreira/14-mudancas-da-reforma-trabalhista-na-clt-que-pouca-gente-sabe/ (Acesso :às 17:00PM do dia 21/09/2017)
http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/129049 (Acesso: 21:00PM do dia 21/09/2017)
http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2017-07/reforma-trabalhista-veja-principais-mudancas-enviadas-sancao-presidencial (Acesso: 14:00PM do dia 21/09/2017)
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas2/artigos/EleVoltou/PoliticaDesenvolvimento (Acesso: 15:00PM do dia 25/09/2017)
http://www.tst.jus.br/web/70-anos-clt/historia (Acesso: 14:00PM do dia 21/09/2017)
http://s.conjur.com.br/dl/manifesto-ministros-tst-defesa-direito.pdf (Acesso: 15:00 PM do dia 29/09/2017)
https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2017/05/17/internas_economia,869558/presidente-do-tst-critica-excessos-da-justica-do-trabalho.shtml (Acesso: 17:00PM do dia 02/10/2017)

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